Volume 190-2, Fevereiro 2020

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Filipa Oliveira

Será a cultura um luxo? A cultura é um
luxo no sentido de ser um privilégio que
todos podemos usufruir. Também há uma
cultura no sentido de artigo de luxo, de
algo a que só uma elite pode ter acesso,
mas essa não é a cultura que estimula e
desafia. A cultura que nos faz falta é a que
que nos preenche, que nos torna mais ricos,
mais abertos ao mundo, mais próximos
dos outros, diferentes de nós, mais
compreensivos, mais sensíveis à natureza.
A cultura tem um poder subtil, mas profundo,
que desafia a norma, os sistemas
impostos, que abre horizontes, que problematiza
visões unilaterais. A cultura
olha criticamente para o mundo, coloca
questões e instala dúvidas. Por isso, não,
a cultura não é um luxo! É um direito e
uma necessidade.


António Júlio Trigueiros SJ

A proibição de ordenação presbiterial de
homens casados, em vigor apenas na Igreja
Católica latina, foi discutida em termos
críticos no Sínodo para a Amazónia, que
se declarou favorável à possibilidade de ordenar
como presbíteros diáconos permanentes
casados, homens de fé reconhecida
e relevância na comunidade (designados
viri probati), para garantir os sacramentos
nos lugares mais remotos da região. Para
muitos esta possibilidade é considerada
como uma afronta à lei disciplinar do celibato,
que continua erradamente a ser considerada
de direito divino. Recordemos de
forma (des)apaixonada o que é que nos
dizem as principais fontes históricas e canónicas
sobre esta questão?


Lívia Franco

No início do ano novo, a notícia da morte
do General iraniano Qassem Soleimani
por um drone norte-americano gerou
ondas de choque, que imediatamente se
propagaram por toda a comunidade internacional.
Iria seguir-se agora uma guerra
de larga escala entre estes dois países com
conhecidas dificuldades de relacionamento
desde 1979? Poderia o conflito envolver
risco nuclear? Quem apoiaria os EUA
e quem ficaria do lado do Irão? A reação
de Teerão veio sob a forma de um ataque
a duas bases americanas no Iraque. Os danos
infligidos foram contudo pouco significativos
e sem baixas humanas. Washington
não retaliou. Como compreender este
quase imediato abaixamento das tensões?


Paul Valadier SJ

O que se passa em França? Este país é
atravessado por tensões sociais profundas
e duradouras: há mais de dois anos
que as manifestações se multiplicam, se
organizam cortes de estradas e duras greves
paralisam a circulação dos transportes.
E podemos legitimamente perguntar-nos
porquê, visto que o país continua próspero,
o sistema de saúde funciona, a segurança
social assegura a previdência para
todos e a economia não está assim tão mal.
A França é hoje como um paraíso povoado
por pessoas que se julgam no inferno.


Ricardo Zózimo

A Economia de Francisco é um encontro
protagonizado pelo Papa Francisco e inspirado
em S. Francisco de Assis, em que o
Papa propõe repensar os domínios económicos.
O argumento que avançarei aqui é
que as universidades e sobretudo as formas
pedagógicas adotadas no ensino superior
em matérias relacionadas com a economia
e gestão, condicionam fortemente a noção
de sucesso económico e, desta forma, as
possibilidades de redefinir o sistema económico
como um todo. Assim, mostrarei
que existem formas pedagógicas mais adequadas
a potencialmente mudar o sistema
económico e que a participação das universidades,
no que se refere a transformar os
modelos económicos, passa sobretudo pela
transformação da sua forma de ensinar e da
maneira como definem impacto.


Francisco Martins SJ

‘Quem é que escreveu a Bíblia?’ A pergunta
assim formulada não tem uma resposta óbvia.
Para quem crê, os textos sagrados são
fruto da revelação de Deus ao Seu povo ao
longo de vários séculos e, num certo sentido,
têm Deus como autor (pelo menos, “autor
intelectual”). Assim o afirma, claramente, a
Constituição Dogmática Dei Verbum sobre a
Revelação Divina (DV) mesmo se contudo,
reconhece que o “fator humano” não deve
ser eliminado da equação: homens (e mulheres?),
na plena posse das suas faculdades,
atuaram como “verdadeiros autores” e
os textos refletem também as circunstâncias
históricas concretas da sua redação (DV 12).


Walter Osswald

As questões éticas configuram um tema
que desde a juventude surge como desafiante
a Albert Schweitzer, médico, teólogo
protestante, missionário em África e Prémio
Nobel da Paz. Para ele, a leitura de Tolstoi
aponta um caminho de solidariedade com
os marginalizados, enquanto rejeita a orgulhosa
e unilateral apologia nietzschiana
do super-homem. A sobrevalorização das
conquistas da técnica e da ciência inquieta-
o, levando-o a assinalar uma atitude de
cansaço espiritual e anímico da geração orgulhosa
do seu labor e dos resultados alcançados,
expoente de uma cultura que se desenvolveu
muito mais na área do material
do que no domicílio do espírito, pelo que se
apresenta profundamente desequilibrada.


André Martins da Silva

A desaparecida Basílica Patriarcal de Lisboa
foi o templo que durante mais tempo,
e desde mais cedo, reuniu sobre si as atenções
artísticas de D. João V. A distinção fora
conseguida de Clemente XI em 1716, a favor
da pré-existente Capela Real – que, na
realidade, mais não era que a capela palatina
do Paço da Ribeira – mas, desde o início
do reinado joanino em 1707, que esta vinha
recebendo importantes beneficiações estatutárias
e artísticas. Apesar de alguns hiatos
ao nível das campanhas arquitetónicas,
quando o Rei faleceu, em 1750, ainda havia
obras por concluir. A ela se vinculam, indelevelmente,
empreitadas como a Capela de
São João Batista, da Igreja de São Roque,
ou o Real Edifício de Mafra. Ao contrário
destes dois, porém, a Santa Igreja Patriarchal
não chegaria aos nossos dias, tendo desaparecido
na sequência do sismo de 1755.


Teresa Bartolomei

A dificuldade de toda a poesia é radicalizada, em Dante, pela sua pretensão religiosa: se, a fonte da palavra profética se selou com o encerramento do cânone bíblico, segundo os judeus, ou com a encarnação do Filho de Deus, segundo os cristãos, como levar a sério a ambição de Dante, poeta máximo da cristandade, de ter escrito um poema santo, um texto inspirado pelo Céu, que comunica uma “visão” autêntica dos mistérios mais sagrados da fé? Os não crentes bocejam perante uma abstrusa teologia em verso, os crentes duvidam que a verdade da própria fé alcance alguma evidência útil nas fantasias antiquadas de um poeta medieval.


André Luís Araújo SJ

Grande sertão: veredas aparece na cena literária
brasileira em 1956, sob a pena do até
então pouco conhecido Guimarães Rosa,
médico de formação e diplomata de carreira.
O romance causa espanto, algum entusiasmo
e irritação entre escritores canónicos da
época. No entanto, para Silviano Santiago,
a crítica esteve mais interessada em domesticar
a monstruosidade da escrita rosiana do
que em deixar-se seduzir pela originalidade
da beleza selvagem que lhe é própria. Por
essa razão, pretendemos evidenciar como
Rosa e Santiago afrontam a tradição cultural
e literária no Brasil no seu arremedo eurocêntrico
de proposta civilizadora. Coloquemo-
nos, pois, em posição de escuta dessa interlocução
e deixemo-nos ser surpreendidos
ou constrangidos por ambos – o romancista
e o crítico literário, artífices da linguagem –,
para repensar as nossas próprias experiências
de leitura e acercarmo-nos à obra por
outras veredas, sem a pretensão do senhorio
ou do amansador de feras.


Marc Rastoin SJ

Os Dois Papas do realizador brasileiro
Fernando Meirelles, é uma ficção que tem
como protagonistas os últimos dois papas
da Igreja Católica. Mas mais do que realizar
um filme fácil sobre escândalos e jogos de
influência, o realizador quis contar a história
de dois homens de fé diante duma decisão
dificil. Tudo parte de uma ideia simples: o
cardeal Bergoglio está a pensar resignar;
gostaria de reformar-se e voltar de novo a
ser pároco. Vem a Roma para apresentar o
seu pedido. Ao mesmo tempo, Bento XVI,
que fora eleito papa no precedente conclave,
medita sobre uma decisão importante
e sem precedentes: renunciar ao seu cargo
de bispo de Roma e retirar-se igualmente.
E eis que Jorge Bergoglio (Jonathan Pryce)
e Joseph Ratzinger (Anthony Hopkins) se
encontram e começam a discutir.


Dimensões
15 x 23,4

Nr de páginas
114

ISSN
0870–7618